O próximo sábado, 16 de abril será marcado como o Dia Internacional de Protesto contra a Experimentação em Animal e Vivissecção com manifestações públicas sincronizadas, com o objetivo de levar ao conhecimento da sociedade civil a realidade da tortura e matança de animais nos laboratórios e instituições de pesquisa no mundo e, particularmente, no Brasil. No país, os atos públicos contra a vivissecção ocorrerão em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e Brasília. Em Paris e em Lisboa as pessoas também sairão às ruas com o mesmo propósito de manifestar contra a dissecação e descarte de vidas em nome da ciência. O Dia Internacional de Protesto contra a Experimentação Animal e Vivissecção sintetiza um esforço mundial destinado a combater estas práticas antiéticas que, hoje, comprovadamente estão em desuso diante das modernas técnicas de pesquisa científica mundial.
A propósito dessa manifestação, o Bichos de Companhia resgata matéria própria publicada aqui em maio de 2005, na primeira fase do blog, para ajudar na compreensão sobre a vivissecção, legislação, métodos alternativos e adesões mundo afora contra a prática em universidades e laboratórios. De lá pra cá muito pouco mudou e a luta continua, com alguns importantes ganhos, prova de que o caminho é espinhoso, mas o rumo é este. As manifestações do Dia Internacional contra a Vivissecção é outra prova de que a cada dia a campanha antivivissecção ganha mais adeptos.
LEGISLAÇÃO A Lei 6.638, de maio de 1979, classifica como prática didático-científica a vivissecção e estabelece normas e providências que devem ser seguidas. A técnica consiste em operações realizadas em animais vivos para experimentação e estudos. Pressupõe-se daí atos frequentemente repetidos. E a principal discussão, diante disso, é a substituição por métodos alternativos. Até que ponto é ético, sobretudo, aos futuros veterinários abrir e dissecar animais apenas para estudar reações orgânicas dispensando o uso de tecnologias como filmagens, manipulação de manequins, passeios virtuais, entre outros, e, com isso, evitar a morte de animais-cobaias, em tese, saudáveis? De acordo com a lei que permite a vivissecção em todo o território nacional, é proibida a prática sem o emprego de anestesia, sem a supervisão de técnico especializado, em centros de pesquisas e estudos não registrados em órgão competente, com animais que não tenham permanecido mais de 15 dias em biotérios legalmente autorizados e em estabelecimentos de ensino de 1º e 2º graus e em ambientes freqüentados por menores de idade. Pela Constituição Federal cabe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais a crueldade. E a Lei de Crimes Ambientais (9605/98) impõe pena de detenção de 3 meses a um ano e multa a quem praticar ato de maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Incorrerá nas mesmas penas quem realizar experiências dolosas ou cruéis em animais vivos, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. Adotando uma posição contrária à vivissecção, a Associação Nacional de Clínicos de Pequenos Animais - Regional MG (Anclivepa-MG) defende a substituição da prática por métodos alternativos. O médico veterinário, Luiz Cláudio Sofal, diretor social da Anclivepa, destaca entre as alternativas à vivissecção, na área de pesquisa, a cultura celular, pesquisas epidemiológicas e o uso de técnicas de imagens não invasivas.
POLÊMICA ANTIGA As discussões sobre o uso de animais em experimentações didáticas e científicas são antigas. No final do século XIX, o professor Henry J. Bigelow, da Universidade de Harvard, já havia se manifestado explicitamente contra a vivissecção ao afirmar que "chegará o dia em que as atuais vivissecções, feitas em nome da ciência, serão consideradas da mesma forma que atualmente se considera a caça às bruxas, que anteriormente se fazia em defesa da religião". Hoje, mais que nunca, o assunto permanece latente. Desperta a reflexão sobre os princípios morais e éticos que envolvem a questão. Pelo menos no Brasil, a situação ainda está longe de um desfecho satisfatório. A afirmação do professor da Universidade de Harward serviu de argumento para o deputado federal Fernando Gabeira, há dois anos, enquanto relator do projeto de lei de autoria do deputado federal Sérgio Arouca que visa à regulamentação do uso científico de animais.
O projeto de lei, de 1995, foi apresentado à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, da Câmara dos Deputados. A proposição foi analisada e recebeu parecer favorável dos deputados Arlindo Chinaglia e João Paulo Cunha, mas até hoje não seguiu para votação em plenário. O detalhe é que o autor, inclusive, já faleceu. O projeto cria o Sistema Nacional de Controle de Animais de Laboratório (Sinalab) que se responsabilizaria, entre outras atribuições, pela concessão de licenças para projetos experimentais apresentados por empresas de pesquisas credenciadas e sujeitas à criação de comitês de ética e comissões de controle de biotérios próprios, com profissionais especializados. O projeto ainda propõe penalidades administrativas, além daquelas, criminais, previstas pela Lei de Crimes Ambientais (9605/98), e a revogação da lei de vivissecção (6638, de 1979), por considerá-la insuficiente no que se refere às normas balizadoras de conduta científica naquilo que se relaciona ao trato para com os animais.
A proposta é que o animal seja substituído sempre que possível por modelos alternativos.Do contrário, que a utilização seja reduzida ao número suficiente de animais necessários à experimentação, com o aperfeiçoamento máximo das técnicas para que se possa minorar o sofrimento e eliminar as dores do animal durante o processo. Com isso, caminhar para o ideal que é a não utilização de animais com propósitos científicos. A prova de que isso é possível é o trabalho que vem sendo feito pela comunidade européia que tinha com meta reduzir em até 50% a utilização em experiências até o ano 2000.
Para o professor Alcino Lázaro da Silva, titular de cirurgia do aparelho digestivo da Universidade Federal de Minas Gerais e referência em assuntos que envolvam procedimentos médicos e conduta ética, a experimentação animal na medicina não representa crueldade se realizada dentro dos princípios que regulamentam o respeito ao ser vivo assim como ao ser humano. A favor da adoção de métodos alternativos, o professor acredita não ser possível se chegar ao extremo de proibir a experimentação Mas, segundo ele, utilizar com restrições os animais de acordo com propósitos específicos, respeitando as características típicas de animais em relação ao que se queira provar com o experimento e, sobretudo, sem lhes causar traumas e dores. (O professor Alcino Lázaro da Silva, em 2003, também organizou um grupo de estudos e discussão que sugeriu a criação do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa envolvendo animais (Conepa), vinculado ao Ministério da Saúde, e também definiu uma proposta aos moldes do projeto de lei de Sérgio Arouca O anteprojeto do Conepa chegou a ser encaminhado ao Senado e ao ministro da Saúde, Humberto Costa, mas recuou em virtude da existência de um projeto de lei semelhante em tramitação na Câmara dos Deputados).
MUDANÇA DE COMPORTAMENTO Quando o que está em debate é o uso de animais em experimentação científica é impossível desviar-se de discussões sobre os aspectos éticos que envolvem o assunto e colocam em lados diferentes cientistas, estudiosos e especialistas, estudantes e protetores de animais. Uma discussão antiga que remonta às primeiras críticas à vivissecção. O fisiologista Claude Bernard, um dos maiores defensores do uso de animais em estudos fisiológicos, teve de enfrentar a discordância da própria família que considerava a prática como “inutilidade cruenta”. Começava ali também um movimento contra a vivissecção e em defesa dos animais. No início do século XIX, na Inglaterra, a mobilização anti-vivisseccionista e a favor dos animais culminou com a publicação de normas bastante rígidas para a utilização de animais em experimentos científicos (The Cruelty to Animals Act, 1876). A partir daí, os movimentos contrários à vivissecção proliferaram, dando força também aos ativistas e às sociedades protetoras de animais em todo o mundo.
Começaram a vir à tona, inclusive, denúncias sobre as condições infligidas aos animais na indústria de cosméticos e de alimentos, apresentadas no livro Animal Liberation, de Peter Singer, em 1975. Por outro lado, é importante destacar a contribuição de outros pesquisadores na tentativa de provocar mudanças de comportamento nos procedimentos adotados na experimentação científica que se vale de animais Um exemplo é o trabalho do zoólogo William Russel e do microbiologista Rex Burch (The principles of humane experimental technique), publicado em 1959.
O fio condutor desse trabalho é a utilização de animais quando não existam possibilidades de substituição por outra tecnologia E, se for imprescindível a utilização do animal, deve-se reduzir o número de animais e investir no aperfeiçoamento de técnicas experimentais de forma a minimizar a dor e o sofrimento causado às espécies usadas como cobaiasA comunidade européia desde o início da década de 90 já vem investindo no desenvolvimento de métodos de substituição e modelos de simulação por computador.
Atualmente, na Inglaterra e Alemanha o uso de animais na educação médica foi abolida. Sem comprometer o reconhecimento da competência dos médicos britânicos, na Grã-Bretanha é contra a leiestudantes de medicina praticarem cirurgias em animais. Austrália e Estados Unidos também têm uma legislação sólida sobre o tema Nos Estados Unidos vigoram as leis de bem-estar animal, de 1966, lei sobre animais utilizados em pesquisa médica, de 1985, e a Política de Cuidado Humano e uso de animais de Laboratório, de 1986, além de regulamentações no âmbito do Departamento de Agricultura e dos Institutos Nacionais de Saúde A Austrália tem o Código de Prática no Cuidado e Uso de Animais para Propósitos Científicos, de 1969, e que já sofreu várias atualizações, a última das quais em 1997.
NO BRASIL ainda há muito por fazer. A começar pela aprovação de legislação que priorizem o bem-estar animal, evitando a crueldade e o sofrimento desnecessários. Por aqui temos tido pequenos progressos. Um exemplo é a postura adotada há oito anos pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo (USP) Desde então não se utiliza animais vivos em aulas de técnica cirúrgica. Em substituição, a faculdade utiliza cadáveres de animais, especialmente preparados, que tiveram morte natural em clínicas e hospitais veterinários. A preparação dos corpos é feita a partir de substâncias que preservam a consistência do tecido como a de animal vivo. Para praticar a técnica cirúrgica os alunos realizam castrações em cães e gatos da população carente. Fonte subsidiária: projeto de lei do deputado federal Sérgio Arouca e Associação Nacional de Clínicos de Pequenos Animais – Anclivepa).
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